Muito boa resenha! Quem gosta de psicologia do consumo tem que ler!
Abraço,
DAN BANA
Por:
Ligia Fascioni
ligia@ligiafascioni.com.br / www.ligiafascioni.com.br
Lígia Fascioni é Engenheira Eletricista, Mestre em Automação e Controle Industrial, Pós-graduada em Marketing e Doutora em Gestão Integrada do Design. Autora do livro "Quem sua empresa pensa que é?", é consultora empresarial na área de gestão da identidade corporativa
http://www.acontecendoaqui.com.br/index.asp?dep=16&colunista=12&pg=28036
As marcas não são tudo aquilo que se pensava
09-08-2010 - Acabei de ler “A lógica do consumo: verdades e mentiras sobre o que compramos” e estou encantada, assustada, perplexa, curiosa e cheia de palavras. Pena que a versão brasileira não conseguiu achar nada equivalente para traduzir a grande sacada que é “Buyology”, o título original.
O volume, escrito pelo consultor dinamarquês especializado em global branding, Martin Lindstrom, deveria ser leitura obrigatória para todo mundo que trabalha com marketing, design ou propaganda. É que o sujeito conseguiu parceiros suficientes para organizar o maior estudo até então feito sobre neuromarketing; ou seja, deu um jeito de escarafunchar nosso cérebro para descobrir como tomamos as decisões de compra.
Na real, cada capítulo mereceria uma resenha, mas um dos que mais me deixou perplexa foi o que fala de propaganda subliminar. Lindstrom conta que o termo foi cunhado em 1957 pelo pesquisador de mercado James Vicary, com a lendária inserção de quadros incitando o consumo de pipoca e Coca-Cola no meio de um filme, de maneira que só o subconsciente das pessoas conseguisse reconhecer as mensagens. Vicary saiu divulgando que as vendas tinham aumentado consideravelmente depois dessa experiência (e por causa dela), mas depois, em 1962, quando o experimento foi refeito e não se conseguiu os mesmos resultados, o próprio assumiu em uma entrevista que tudo não passava de invenção, inclusive os números referentes ao aumento das vendas. A Associação Psicológica Americana decretou que a propaganda subliminar não funcionava tão bem como a tradicional.
A questão é que as pessoas estavam considerando propaganda subliminar como essas mensagens óbvias inseridas em algum contexto de modo a influenciar o comportamento de compra e que só fossem percebidas pelo subconsciente (tem muita lenda por aí que fala de frases adoradoras do demônio em discos tocados ao contrário e outras bobagens do mesmo naipe). Mas Lindstrom descobriu que a propaganda subliminar está em alta e funciona sim, mais até do que a propaganda convencional. Mas, para isso, ela precisa ser mais sutil e menos literal; agora a coisa atingiu um grau de sofisticação que deixa no chinelo aquelas experiências quase inocentes de Vicary e seus contemporâneos.
Martin descreve uma pesquisa realizada em 2005 na Universidade da Pensilvânia onde se descobriu que o cérebro humano é capaz de recuperar imagens antes que elas sejam registradas no nível consciente. O mesmo não ocorre com nomes ou palavras escritas, o que nos dá pistas muito interessantes sobre como usar propaganda subliminar.
Numa experiência integrante do projeto que motivou o livro, Lindstrom reuniu fumantes voluntários e mostrou cenários com cowboys, pôres-do-sol alaranjados, montanhas, cavalos e jipes em estradas de terra. Depois mostrou os bastidores do circo da Fórmula 1, com suas Ferraris e macacões vermelhos. Em algumas das sessões nenhuma marca ou nome foi mostrado, apenas os cenários; em outras, as propagandas dos cigarros, suas marcas gráficas e embalagens eram explícitas. Os fumantes foram submetidos a essas imagens em várias visitas ao laboratório de ressonância magnética e foi pedido que eles não fumassem nas duas horas anteriores aos ensaios para garantir que todos tivessem o mesmo nível de nicotina em todas as experiências.
O que se queria medir: que partes do cérebro se acendiam quando os voluntários assistiam aos filmes? Bem, a parte previsível foi que, quando viam as embalagens dos cigarros, as áreas relacionadas à recompensa, ao desejo e à dependência mostraram uma reação pronunciada. A parte imprevisível foi que, quando submetidas apenas aos cenários de cowboys e Fórmula 1, as mesmas partes se manifestaram com muito mais intensidade do que se os voluntários estivessem vendo um pacote de cigarros Marlboro.
Então, as imagens associadas desencadearam muito mais desejo nos participantes do que quando eles olhavam a marca ou o maço de cigarros. O resultado se repetiu para a marca Camel, dessa vez com imagens desérticas povoadas de camelos e motos. Em resumo, tudo o que essas paisagens e cenários significavam subliminarmente (masculinidade, sexo, poder, velocidade) foram imediata e automaticamente transformadas na representação da marca.
A propaganda subliminar funciona tão bem porque, quando as imagens não mostravam nenhuma marca gráfica ou embalagem visíveis, os fumantes não sabiam conscientemente que estavam vendo uma imagem publicitária e, por isso, abaixavam a guarda. Na época em que era permitido fazer propaganda na televisão e nos outdoors, as pessoas, sabendo que cigarros faziam mal, levantavam praticamente um muro de defesa contra a mensagem. Agora que as marcas não aparecem, as pessoas reagem entusiasticamente ao mesmo apelo, só que inconscientemente.
Lindstrom conta ainda que a marca de cigarros britânica Silk Cut, ao saber da proibição iminente de propagandas explícitas, montou uma estratégia que consistia em apresentar maciçamente a marca gráfica sobre uma faixa de seda roxa. Quando a proibição entrou em vigor, eles retiraram as marcas, mas continuaram com a faixa roxa (não podiam ser acusados de nada, olha só a inocência...). Bom, para resumir a história, uma pesquisa feita tempos depois revelou que assombrosos 98% dos consumidores (fumantes ou não) associavam a faixa roxa com a marca de cigarros – a marca gráfica não fez a menor falta.
Pois é, a conclusão que se tira disso é que quanto mais se proíbe algo, mais se incentiva o consumo. E que a marca gráfica, antes considerada o elemento mais poderoso da publicidade é, na verdade, o menos poderoso. As formas, os cenários, o posicionamento e, principalmente as cores, ganham com folga.
O autor inclusive reflete sobre as inúmeras conferências e eventos dos quais participa no mundo todo cujas cadeiras, paredes, brindes, folhetos, sacolas e canetas estão coalhadas de marcas; ele não se lembra de nenhuma delas – são como uma sopa de letras.
Baseada nessa e em outras pesquisas (uma delas provou que aquelas figuras escabrosas que aparecem nas embalagens mostrando os efeitos deletérios do cigarro acendem as áreas relacionadas ao prazer no subconsciente dos fumantes), Lindstrom conclui que os anúncios que mais incitam uma pessoa a fumar são aqueles com advertências. Bonés, cinzeiros e brindes com as cores da marca (mas não necessariamente com ela impressa) ajudam muito, seguidas pelas poderosas imagens subliminares sem nenhuma referência explícita à marca.
Sempre achei que os designers superestimam o poder de uma marca gráfica – alguns chamam a aplicação controlada de gestão de marca (o que considero um enorme equívoco). Todo mundo sabe que um produto é Apple, mesmo que não encontre a maçãzinha em nenhum lugar; aliás, é uma tendência mundial fazer propaganda sem mostrar explicitamente a marca, abordagem que tem mostrado excelentes resultados. Marcas gráficas continuam importantes, é claro, mas é preciso se ter consciência de que elas são apenas a ponta do iceberg.
A notícia boa é que a maior parte desse iceberg continua a ser construída pelo design; as cores, as formas, os cenários, o merchandising, as embalagens, as estratégias de sensibilização e a materialização da personalidade da marca. Mas ainda tem os cheiros, os sons, as redes socais, o próprio produtos e seus serviços associados.
Em resumo: design é muito mais que uma marca, mas, sem sombra de dúvida, a recíproca nunca foi tão verdadeira.
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